Abaixo o posicionamento oficial do FórumDCNTs sobre a Consulta Pública de número 33. O FórumDCNTs incentiva que todas as pessoas e entidades se manifestem, até o dia 17/8/2020, através do link: http://conitec.gov.br/consultas-publicas , para que o Protocolo que será implementado no SUS esteja adequado às necessidades e expectativas da população brasileira impactada pelo diabetes. Abaixo estão destacados alguns pontos que nos parecem bastante críticos.
Posicionamento do Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil referente à Consulta Pública de número 33: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Diabete Melito Tipo 2 (PCDT DM2)
O Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil (FórumDCNTs), iniciativa proposta desde 2017 pelo Public Health Institute (PHI), reúne parcerias entre as principais organizações não governamentais (ONGs), empresas da área de saúde, universidades e órgãos do governo. Dentre os principais temas tratados está o diabetes, uma das cinco principais DCNTs devido à alta prevalência global, complicações microvasculares (retinopatia, neuropatia e doença renal) e macrovasculares (infartos, AVC, angina, insuficiência cardíaca – IC) que causam impacto na qualidade de vida, absenteísmo e mortalidade precoces significativamente altas. Sendo assim, o FórumDCNTs parabeniza pela iniciativa de Consulta Pública (CP) e organização do PCDT DM2, e se coloca à disposição para contribuir com seu aprimoramento e posterior implementação. Abaixo, pontos relevantes que foram analisados e recomendações elaboradas.
1- Aplicação da insulina
Na página 23, no terceiro parágrafo coloca-se que “O reuso de seringas e agulhas de insulina por um número limitado de vezes pode ser considerado, devendo ser substituída quando o paciente notar aumento na sensação de dor, o que se estima que aconteça em até 8 utilizações, podendo existir variabilidade entre os pacientes devido a espessura da pele e obesidade. A substituição também deve ser realizada quando for observado perda da escala de graduação da seringa.”
Apesar de se afirmar que não existem evidências quanto ao reuso das agulhas, recomendações e estudos mostram o contrário; além disso, na perspectiva de pessoas com diabetes que realizam múltiplas aplicações diárias, um processo por si só invasivo, a recomendação de reutilização até o aumento da dor é desrespeitosa e desestimula a adesão ao tratamento. Além disso, trata-se de uma recomendação inusitada que certamente não se coaduna com as orientações da ANVISA. O próprio PCDT DM1, publicado pelo Ministério da saúde (ref.32 deste protocolo), recomenda o uso de uma seringa por dia. O Consenso africano, publicado em 2019, discute o reuso de agulhas, coloca os problemas associados e propõe uma quantidade “em até 5 vezes ou menor se dor” (Bahendeka et al., 2019).
Estudo europeu mostrou com clareza a associação entre reuso de agulhas e lipohipertrofia (Strauss et al. 2002), razão pela qual a Federação Internacional de Diabetes (IDF, 2019), explicando os riscos de má absorção de insulina diante dessa condição que contribui para mau controle e complicações agudas e crônicas do diabetes, através de publicação formal não recomenda o reuso, especialmente superior a três vezes. Com isso, o FórumDCNTs recomenda a revisão desse trecho e que, caso mantida a recomendação por reutilização, que seja limitada a um máximo de três vezes.
2- Tratamento medicamentoso
Na página 24, no segundo parágrafo, coloca-se que “Há outras classes de antidiabéticos como inibidores de alfa-glicosidase (acarbose), inibidores de DPP4, agonistas do GLP-1, meglitinidas, tiazolidinedionas e análogos de insulinas de longa e curta duração. Esses medicamentos não estão incorporados no SUS por não serem custo-efetivos frente aos medicamentos disponíveis. Os objetivos terapêuticos podem ser atingidos com os fármacos disponíveis atualmente, associado a medidas terapêuticas não farmacológicas efetivas.”
Dentre esses medicamentos citados, os Inibidores de DPP4 (IDPP4), TZD (pioglitazona), agonistas de GLP-1 e insulinas de ação prolongada e de ação rápida (como são definidas as insulina análogas no PCDT DM1) são os passíveis das seguintes reflexões:
Segundo a metanálise feita para direcionar o PCDT DM2, IDPP4 e análogos de GLP-1 têm impacto financeiro importante e por isso, apenas os segundos foram avaliados, assim como os inibidores dos co-transportadores de sódio e glicose (ISGLT2), para a incorporação de nova tecnologia para o tratamento do DM2.
Em relação às insulinas análogos de ação rápida, dispensadas no SUS apenas aos pacientes com DM1, sabe-se que atualmente existe um sério problema em sua dispensação, que ameaça o recebimento dessas insulinas dentro do prazo de validade diante dos grandes estoques existentes (http://www.linkedin.com/posts/adj-diabetes-brasil_insulinaacessofacil-activity-6698928567750811648-nOzC"din.com/posts/adj-diabetes-brasil_insulinaacessofacil-activity-6698928567750811648-nOzC). Seria urgente que essas insulinas fossem dispensadas através da Atenção Primária para que pudessem atingir sobretudo àqueles com menos condições financeiras. Há situações contempladas em alguns protocolos de dispensação desses análogos que incluem pessoas com DM2 (ex. Distrito Federal: http://www.saude.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/02/RELATORIO-MEDICO.pdf).
Em março de 2019, a insulina análoga de ação prolongada foi incorporada pela SCTIES-MS, mas não evoluiu o trâmite para a sua aquisição. Essa classe consta no PCDT DM1 e, eventualmente poderá beneficiar outras condições não citadas no PCDT DM2, como gestantes e doença renal crônica (DRC), casos específicos de pessoas com DM2, dentro de um algoritmo bem estruturado.
Considerando os novos medicamentos, a incorporação de ISGLT2 é bem-vinda pelos efeitos positivos referentes ao controle da glicemia sem causar hipoglicemia e promover redução de peso, além dos efeitos benéficos cardiorrenais (protetivos das complicações crônicas do diabetes que tanto oneram o sistema público de saúde).
Aparentemente, a decisão de se decidir por uma tomada de preço preliminar para incorporação de tecnologia é algo que não segue o padrão usual da CONITEC. Dessa forma, é salutar proceder como foi feito para o PCDT DM1, que incorporou a classe de insulinas análogas de ação rápida (asparte, glulisina e lispro) o que resultou em significativa redução do preço durante o processo licitatório. Portanto, o FórumDCNTs recomenda incorporar a classe de ISGLT2, incluindo os que são registrados e comercializados no Brasil, com destaque para a dapaglifozina e empaglifozina; uma vez que a canaglifozina não vem sendo divulgada a contento no Brasil e pelos questionamentos das amputações ocorridas - embora esse fato não tenha sido constatado no estudo CREDENCE (https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa1811744); e o mais recente ISGLT2, ertuglifozina, ainda não foi lançado no Brasil e seus impactos, de um modo geral, não terem seguido os dos demais ISGLT2. Alinhadas a essas recomendações, estão todas as diretrizes nacionais e internacionais das principais associações e sociedades científicas nas áreas de endocrinologia, cardiologia e nefrologia recomendando a “classe de ISGLT2”, não um tipo específico. Inclusive, vale mencionar a recente publicação na revista Diabetology and Metabolic Syndrome (fator de impacto 2.709 - citação em dois anos, em 2019), sobre Portuguese-Brazilian evidence-based guideline on the management of hyperglycemia in type 2 diabetes mellitus, 2020, www.dmsjournal.biomedcentral.com), envolvendo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD) e a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), que segue essa mesma linha. Outras recomendações internacionais semelhantes podem ser acessadas nos links: American Diabetes Association (www.diabetes.org.br), European Association for the Study of Diabetes (www.easd.org), International Diabetes Federation (www.idf.org).
3- Acompanhamento
Na página 31, coloca-se que “É importante lembrar que a principal causa de descompensação da DM é a má adesão ao tratamento, situação na qual a atenção primária em saúde tem mais instrumentos para ajudar o paciente.” Essa afirmação causa preocupação. O FórumDCNTs concorda que a Atenção Primária deva ser o nível de assistência para os cuidados da maior parte das pessoas com diabetes. Ao mesmo tempo, entende que não se pode atribuir à pessoa com diabetes (“má adesão ao tratamento”) a descompensação glicêmica, visto que são frequentemente relatadas dificuldades de acesso aos medicamentos e aos profissionais, que por vezes não estão adequadamente preparados para os cuidados e mesmo para educar pessoas com diabetes para que desenvolvam habilidades para autocuidados. Além disso, há o contingente de pessoas com DM2 que precisarão de atenção especializada, na Média e Alta Complexidade. O FórumDCNTs sugere que o trecho destacado seja substituído por “É importante lembrar que a principal causa de descompensação da glicemia em pessoas com DM é o desconhecimento para a realização dos autocuidados, situação para a qual a Atenção Primária em Saúde deverá ter instrumentos, na maior parte das vezes, para educar a pessoa com diabetes visando habilitá-la para seus autocuidados.”
O FórumDCNTs enfatiza o papel fundamental do monitoramento para ajustes terapêuticos e espera que sejam também valorizados neste PCDT DM2. Estudos realizados na Atenção Primária no Brasil, através da introdução de point-of-care de hemoglobina glicada (HbA1c) em unidades de saúde, associada ao monitoramento com glicosímetros quando recomendado, mostrou-se custo-efetivo e levou à redução da HbA1c com projeção de redução de complicações crônicas em populações com diabetes (Medeiros et al., 2019; Flor et al., 2020), fatores imprescindíveis, juntamente com a educação, para uma vida saudável.
Por fim, o FórumDCNTs acrescenta que é importante que a versão final do PCDT DM2, após a recepção e avaliação das sugestões da CP, forme um grupo de trabalho envolvendo membros das sociedades científicas e associações de pessoas com DM, em um formato multidisciplinar (médicos, enfermeiros, nutricionistas, educadores físicos e representantes da sociedade civil), para revisão do texto final, a exemplo do que foi efetuado com o PCDT DM1, cuja versão final teve suporte da SBD.
Fórum Intersetorial para Combate às DCNTs no Brasil (FórumDCNTs)
São Paulo, 16 de agosto de 2020
Referências
Bahendeka, S., Kaushik, R., Swai, A.B. et al. EADSG Guidelines: Insulin Storage and Optimisation of Injection Technique in Diabetes Management. Diabetes Ther 10, 341–366 (2019). https://doi.org/1 HYPERLINK "https://doi.org/10.1007/s13300-019-0574-x"0.1007/s13300-019-0574-x
Strauss K et al. Practical Diabetes International 2002:19(3), 71-6. https://doi.org/10.1002/pdi.314
International Diabetes Federation (IDF). Lipohypertrophy causes unexplained highs and lows. (9/8/2019) Disponível em: https://diabetesvoice.org/en/caring-for-diabetes/lipohypertrophy-causes-unexplained-highs-and-lows HYPERLINK "https://diabetesvoice.org/en/caring-for-diabetes/lipohypertrophy-causes-unexplained-highs-and-lows/"/
Medeiros et al. 1306-P: Cost Effectiveness of Point-of-Care HbA1c in Primary Care Setting in Brazil. Diabetes 2019 Jun; 68(Supplement 1). https://doi.org/10.2337/db19-1306-P
Flor LS, Wilson S, Bhatt P, et al. Community-based interventions for detection and management of diabetes and hypertension in underserved communities: a mixed-methods evaluation in Brazil, India, South Africa and the USA. BMJ Global Health 2020;5:e001959.
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